SÍTIOS E SOLUÇÕES: Cão atacado por porco-espinho

julho 8, 2018 Abreu No comments exist

 

 

 

O dia começou diferente aqui na roça. Por volta das 06h00, fomos despertados, em pleno frio de junho, termômetro marcando 11 graus, pelo disparo do sistema de alarme. Os Ministros da Casa* (quatro cães de guarda que têm foro privilegiado e acesso à varanda da casa-sede) apareceram, nas imagens das câmeras de segurança,  amontoados na porta da casa, indicando que o problema não era fora da casa-sede, mas dentro dela. Frida Kahlo, a dogue alemão negra como uma pantera, de 70 kg, colou o focinho na porta. Ou seja, realmente o problema deveria dentro de casa, senão os Ministros da Casa teriam se juntado ao restante da matilha e atacado o intruso, onde quer que ele estivesse na área da propriedade. 

Desliguei o alarme e percorri o circuito, até encontrar o sensor defeituoso, que deu pane, aparentemente por causa do frio. Substituí o sensor, religuei o alarme, voltei para a cama. Adormeci. Uma hora depois, ouço os gritos do caseiro me chamando, desesperado. 

Desliguei o alarme de novo, abri a porta e saí para a varanda. A cena era aterrorizante e visualmente inexplicável. Naquele dia, havia 15 cães na roça. Dois chihuahuas minúsculos, que dormem dentro de casa. Um shitzu e um pug, que dormem em um canil especialmente construído para eles, uma vez que nos visitam apenas nos fins de semana e que também ficaram protegidos. Os Quatro Ministros da Casa, que transitam livremente pela roça e têm acesso à varanda da casa-sede e, eventualmente, ao próprio interior da casa. A Capitu, SRD, que protege a casa do caseiro. E a Tropa de Choque, cães de guarda, de raças variadas, de porte médio, extremamente agressivos, que não têm acesso à varanda nem à casa-sede, mas são os donos do pedaço. O que invadir o seu território, normalmente morre em seus primeiros movimentos. 

Mas o invasor agora parecia ter levado a melhor: todos estavam feridos, incrustados de espinhos na cara e no peito. Eram espinhos de cerca de 3 centímetros, de ponta preta e haste branca, que lhes davam a aparência de um animal de barba grisalha. Mas o dramático era o choro e o pedido de socorro pela dor que estavam sentindo. Até a Frida Kahlo, a dogue negra, recebeu sua cota de espinho na boca e no peito, mas em pequena quantidade. Os demais haviam recebido quantidades enormes, variando em aproximadamente 80 e 100 espinhos cada um. 

               DONATELLO

 

                    PIERRÔ

       

                           SEU JORGE

 

 

                COLOMBINA

O caseiro já estava com um deles no colo, retirando manualmente alguns espinhos, mas os demais, desesperados, cercavam-no, implorando ajuda. Entrei imediatamente em ação, fazendo o mesmo trabalho. Peguei o Donatello, dogue alemão companheiro da Frida e, depois de retirar dolorosamente cerca de 40 espinhos, cheguei à conclusão de que aquele trabalho era inútil e os cães estavam sofrendo muito com o processo. 

Liguei para uma Clínica Veterinária 24 horas, localizada a 14 km da roça, que me orientou no sentido de levá-los para a extração dos espinhos, mediante anestesia. Como levar seis cães grandes, naquele desespero de dor, dentro da Pajero Full 1993 a diesel, que é o nosso veículo de trabalho na roça? Avisaram que não poderiam buscar os animais, porque eles estavam em área rural e só buscavam em área urbana. Decidi levá-los todos na Pajero e que São Francisco de Assis nos ajudasse. 

Acontece, que naquele mesmo dia, eu havia marcado a visita de um veterinário para inseminar minhas quatro vacas jersey, uma vez que o nosso  touro  P.O. tinha morrido recentemente e o substituto, que  adquirimos, também P.O, está completando três meses no dia 24.7. E nesse cenário de horror e desespero, o veterinário buzinou no portão. Corri para conversar com ele, enquanto o caseiro recolhia os cães ao canil (mesmo naquela situação, eles atacariam o veterinário das vacas). 

Antes de  entrar, Dr. João Bottega, olhando a cena de longe, do alto de suas centenas de anos de experiência, perguntou: -“Porco espinho?”. Confirmei. -“Não adianta tentar arrancar na marra. Eles sofrem muito e ficam agressivos. Eu não trato com cães, só com bois e cavalos. Mas você mesmo pode resolver. Vá à cidade e compre esse medicamento que vou prescrever. É um anestésico-sedativo. Eles vão ficar dopados por uma ou duas horas. Enquanto isso, você vai poder arrancar todos os espinhos com um alicate de bico comum. Eu não vou me meter com seus cães. Enquanto você vai comprar o produto, eu vou cumprir minha missão e inseminar as vacas”.

Parti feito um louco para a cidade de Formosa(GO). Planaltina(DF) é muito mais próxima, mas seu João trabalha junto a uma loja que vende o produto e era mais certeiro ir comprar lá. 

Cinquenta minutos depois, estava de volta com o medicamento. Os cães atingidos estavam presos no canil aberto, cada qual com sua guia presa à sua coluna. Seu João orientava de longe. O caseiro e eu fomos aplicando o produto: 1 ml por cada 10 kg de peso, intramuscular, na nádega. Em cinco minutos, todos estavam dormindo ou tentando resistir ao sono. Seu João avisou que teríamos 1h30min para terminarmos o trabalho. Corremos.

A Frida Kahlo não precisou ser sedada, porque eu havia conseguido retirar todos os espinhos, que só se localizaram no peito dela e um pouco no focinho. O Pierrot e a Colombina foram os mais atingidos. Dezenas de espinhos do céu da boca, a ponto de formarem uma bucha, passando por toda a mucosa da boca e na língua. Nos demais, o problema se concentrava na cara, especialmente no focinho, e no peito. 

Em cerca de 25 minutos, terminamos todo o trabalho. Retiramos mais de 600 espinhos dos cães. Eles continuavam dormindo, a maior parte sangrando nos ferimentos. Seu João lecionou -“Não se preocupem com o sangramento: rapidinho vai ficar tudo limpo!”. E ficou. Ao final da tarde, depois de saírem da sedação, tomarem água e voltarem às suas atividades normais de vigilância e diversão, não havia mais ninguém sangrando. Estavam em absoluto estado de normalidade. 

 Esses cães, por serem eletronicamente controlados, não podem sair da roça e alguns não podem entrar em certas áreas, como a varanda, por exemplo. Mas o que quer que entre na área enorme liberada para eles, morre. Conversei com seu João. “Seu João, e o bicho, o porco-espinho?”. Ele respondeu que o animal costuma se defender, ferir os cães e depois subir nas árvores mais altas, que os cães não alcançam, e depois, com calma, sai da área perigosa para ele. Já deveria estar longe, àquela hora. 

Final do dia. Fomos conferir os cães e ter o alívio de vê-los todos tranquilos, brincando, correndo para o nosso colo como se nada tivesse acontecido. O caseiro me chama, de longe. Atravesso o pomar e me dirijo à cerca que é minha divisa com o vizinho da direita. O caseiro aponta para o chão. O corpo do porco-espinho estava lá. Um animal enorme, de cerca de 90 cm de comprimento e aproximadamente 12 kg de peso, ao qual faltava o quarto traseiro esquerdo, jogado a meio metro dali. 

Aquele quarto traseiro, inclusive com a pata, deveria ter sido arrancado com uma única mordida. E chegamos à conclusão de que fora a Colombina, uma vez que nela, no céu da boca, na gengiva, na mucosa da boca, no tronco da língua e no fundo da garganta, encontramos mais de 100 espinhos. 

Odiamos tudo o que aconteceu, porque, nesse nosso cantinho, a Natureza é senhora. Já recompusemos a floresta original, transformada anteriormente em pastos, com plantio de mais de 6000 árvores nativas, regulamos o fluxo do riacho, retirando o seu leito pneus, sofás, caixas dágua, geladeiras e tambores, permitindo que o ele restabelecesse sua calha primitiva. Adotamos a nascente comunitária local, revitalizando a vegetação do seu entorno, cercando e protegendo, com o apoio jurídico e policial da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Governo Federal e recursos financeiros nossos, em decorrência do que já recebemos a visita do Presidente mundial do WWF. Ou seja, somos militantes ativos da defesa do meio ambiente. 

Neste caso, entretanto, só pudemos atuar no pós-guerra: a Natureza já havia passado por lá quando chegamos às 07h30 da manhã e já havia arbitrado o resultado da batalha. Restou-nos enterrar o cadáver e cuidar dos vivos. 

Edimar Rodrigues de Abreu – 08.07.2018

* Ministros da Casa, em Brasília, são os Ministros de que trabalham no Palácio do Planalto, como o Ministro Chefe do Gabinete Civil,  Ministro-Chefe da Secretaria de Administração, o Ministro-Chefe da Abin e outros. Os demais trabalham na Esplanada dos Ministérios. 

 

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